Wednesday, January 31, 2018

Como se fosse um poeta do século XVIII

                            


A TRISTEZA DOS AMORES

Oh! Desejo de amar! Oh! Vontade de viver!
Uma hora que seja, mas, uma hora vivida
depois do sonho, se pode até morrer,
-porque se morre celebrando a vida!

Porém, essa hora doce na qual se vive
é o que se pode sonhar de maior ventura,
nos salva de desesperar por uma criatura,
e de sofrer e dizer esperei-a, e nunca a tive!

E são muitos, como eu, que a desejaram!
E poucos, como eu, que, por fim, tiveram
a venturosa hora de amor com que sonharam!

E quanto olhar triste não ficou nublado
pelo desespero do amor que não viveram;
do mar de desejos nunca, na vida, saciado!


Ilustração: Amor e paz...sempre!

Tuesday, January 30, 2018

Mais uma poesia de Gioconda Belli

EN LOS BUENOS DÍAS…            

Gioconda Belli

En los días buenos,
de lluvia,
los días en que nos quisimos
totalmente
en que nos fuimos abriendo
el uno al otro
como cuevas secretas;
en esos días, amor,
mi cuerpo como tinaja
recogió toda el agua tierna
que derramaste sobre mí
y ahora
en estos días secos
en que tu ausencia duele
y agrieta la piel,
el agua sale de mis ojos
llena de tu recuerdo
a refrescar la aridez de mi cuerpo
tan vacío y tan lleno de vos.

NOS BONS DIAS

Nos bons dias
de chuva,
nos dias em que nos quisemos
totalmente
em que nos fomos abrindo
um para o outro
como cavernas secretas;
nesses dias, amor,
meu corpo como uma vasilha
recolheu toda a água terna
que derramastes sobre mim
e, agora,
nesses dias secos
em que tua ausência dói
e racha minha pele,
a água sai de meus olhos
cheia de tua recordação
para refrescar a aridez do meu corpo
tão vazio e tão cheio de ti.

Ilustração: Nerd filosofante.




Saturday, January 27, 2018

Confissão imprecisa

Você quis ser meu amor                    e amor não sei como negar.
Não posso me sentir culpado
só por ter amado
e ser do jeito que sou.
Também não posso dizer que não quero,
se meu desejo é sincero,
forte, constante, duradouro.
Ah! Sinto que gosto da carne, do osso,
que, sem pena, me atiraria no pescoço,
e, se pudesse, se puder, quando posso,
como até o couro.
Porém, você, sentimental como é,
quer a companhia, a alma e mais,
mesmo quando o que pensa ser bom faria tudo se perder.
Solução não há
ou o tempo há de dar.
Sou como sou: apenas um quase sadio animal
que só pensa em amor, carinho, paz
e em fazer da vida um carnaval.

Friday, January 26, 2018

Um poema de Bob Holman


From Chinese Poems                               

Bob Holman

Go ahead
Open the door
Hello white water
Hello there bridge
Hello figure
On the other
Side of the bridge
Saying hello
Just myself

DE POEMAS CHINESES

Vamos em frente
Abra a porta
Alô água branca
Alô para aquela ponte
Alô figura
No outro
Lado da ponte
Dizendo alô
Só para mim mesmo

Ilustração: Bom condutor.



Thursday, January 25, 2018

EM BUSCA DA SOMBRA DE LACAN

Sim. Eu estive no consultório de Lacan.   
Não. Não posso assegurar que tenha sido
por algum sentimento perdido
ou pela esperança do diabo
me perguntar o que, realmente, quero.
E,  como de tudo que é passado, não espero
que algum fantasma me ofereça
alguma solução para a cabeça
ou, quem sabe, uma empada de quiabo,
Mas, porque o psiquiatra, na realidade,
se gabava de sempre dizer a verdade,
e não encontro esta inocência nem no papa.
Fui ver se, de fato, havia uma sombra de sinceridade
num local onde viveu um homem que sabia,
ser tão normal a vigência da hipocrisia,
que, mesmo depois do consciente ser observado,
nada havia mudado;
tudo era, como sempre foi,  a mesma coisa!

Ilustração: Pintarest.

Outra poesia de Ilya Kaminsky

                                                
ELEGY

Ilya Kaminsky

Yet I am. I exists. I has
a body,
When I see

my wife’s slender boyish legs
the roof
of my mouth goes dry.

She takes my toe
in her mouth.
Bites lightly.

How do we live on earth, Sonya?
If I could hear

you what would you say?
Your answer, Sonya!

Above all, beware
of sadness

On earth we can do
-can’t we?-

what we want.

ELEGIA

Ainda eu sou. Eu existo. Eu tenho
um corpo,
quando eu vejo

as longas pernas jovens da minha esposa
o céu
da minha boca fica seco.

Ela pega meu dedo do pé
na boca dela.
Bate ligeiramente.

Como vivemos na Terra, Sonya?
Se eu pudesse ouvir

você o que você diria?
Sua resposta, Sonya!

Acima de tudo, cuidado
com a tristeza

Na Terra podemos fazer
- não podemos?-

o que nós queremos.

Wednesday, January 24, 2018

Uma poesia de Ilya Kaminsky

LULLABY                                                                                  Ilya Kaminsky

Little daughter
rainwater-

snow and branches protect you
white-washed walls-

and neighbors’ hands, also.
child of my aprils

little earth of
six pounds—

my white hair
keeps your sleep lit.

CANÇÃO DE NINAR

Pequena filha
da água da chuva

neve e ramos te protegem
paredes limpas de brancas -

e as mãos dos vizinhos, também.
Criança dos meus abrils

pequena terra de
seis libras-

meu cabelo branco
mantém teu sono iluminado.



Tuesday, January 23, 2018

E retorna Pablo Neruda

TU RISA                                               
Pablo Neruda

Quítame el pan, si quieres,
quítame el aire, pero
no me quites tu risa.

No me quites la rosa,
la lanza que desgranas,
el agua que de pronto
estalla en tu alegría,
la repentina ola
de plata que te nace.

Mi lucha es dura y vuelvo
con los ojos cansados
a veces de haber visto
la tierra que no cambia,
pero al entrar tu risa
sube al cielo buscándome
y abre para mi todas
las puertas de la vida.

Amor mío, en la hora
más oscura desgrana
tu risa, y si de pronto
ves que mi sangre mancha
las piedras de la calle,
ríe, porque tu risa
será para mis manos
como una espada fresca.

Junto al mar en otoño,
tu risa debe alzar
su cascada de espuma,
y en primavera, amor,
quiero tu risa como
la flor que yo esperaba,
la flor azul, la rosa
de mi patria sonora.

Ríete de la noche,
del día, de la luna,
ríete de las calles
torcidas de la isla,
ríete de este torpe
muchacho que te quiere,
pero cuando yo abro
los ojos y los cierro,                           
cuando mis pasos van,
cuando vuelven mis pasos,
niégame el pan, el aire,
la luz, la primavera,
pero tu risa nunca
porque me moriría.
                
O TEU RISO

Retira-me o pão, se queres,
retira-me o ar, porém,
não me retire o teu riso.

Não me retire a rosa,
a lança que derramas,
a água que de repente
explode em tua alegria,
de inesperada onda
de prata que de ti nasce.

Minha luta é difícil e volto
com os olhos cansados,
às vezes, tendo visto
a terra que não muda,
porém, quando entra tua risada
sobe até o céu me buscando
e abre para mim todas
as portas da vida

Meu amor, na hora
mais escura da vida
derrama tua risada e, de repente
verás que minhas manchas de sangue
nas pedras da rua,
riem porque tua risada
será para as minhas mãos
como uma nova espada.

Junto do mar no outono,
o teu riso deve subir
a sua cascata de espuma,
e na primavera, amor,
quero o teu riso como
a flor que eu esperava,
a flor azul, a rosa
da minha pátria sonora.

Rias tu da noite,
do dia, da lua,
rias tu das ruas
curvas da ilha,
rias tu deste rapaz
tonto que te ama,
porém, quando abro
os olhos e os fecho,
quando os meus passos vão,
quando os meus passos voltam,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
porém, o teu riso nunca
porque sem ele eu morreria.


Ilustração: Pense e Sonhe. Viva! - blogger. 

E, de novo, Yves Bonnefoy

UNE AUTRE VOIX                                         
Yves Bonnefoy

Secouant ta chevelure ou cendre de Phénix,
Quel geste tentes-tu quand tout s'arrête,

Et quand minuit dans l'être illumine les tables?

Quel signe gardes-tu sur tes lèvres noires,
Quelle pauvre parole quand tout se tait,

Dernier tison quando I'âtre hésite et se referme?

Je saurai vivre en toi, j'arracherai
En toi toute lumière,

Toute incarnation, tout récif, toute loi.

Et dans le vide où je te hausse j'ouvrirai
La route de la foudre,

Ou plus grand cri qu'être ait jamais tenté.


UMA OUTRA VOZ

Mexendo o cabelo, essa cinza de Fénix,
Que gesto tentas quando tudo pára,

E na meia-noite quando o ser ilumina as mesas?

Que sinal guardas nos teus lábios negros,
Que palavra maldita quando tudo cala,

Última palavra quando o teatro hesita e apaga?

Hei de viver em ti, hei de arrancar
Toda luz que há em ti,

Todas as encarnações, todos os recifes e todas as leis.

E no vazio em que te ergo eu vou abrir
A rota do relâmpago,


Ou o maior grito que jamais um ser tentou.

Uma poesia de Yves Bonnefoy



UNE VOIX 

Yves Bonnefoy

Quelle maison veux-tu dresser pour moi, 
Quelle écriture noire quand vient le feu?

J'ai reculé longtemps devant tes signes, 
Tu m'as chassée de toute densité.

Mais voici que la nuit incessante me garde, 

Par de sombres chevaux je me sauve de toi.

UMA VOZ

Que casa queres fazer para mim,
Que escrita negra quando o fogo vem?

Já recuei por longo tempo diante dos teus sinais,
Tu me baniste de toda densidade.

Mas, aqui a noite incessante me guarda,
Por cavalos escuros me salvo de ti.

Ilustração: Tumblr. 

Uma poesia de Stephanie Bolster

ON THE STEPS OF THE MET      

Stephanie Bolster

When the first wasp would not stop flying near me I sat still
and let it stay. All thin legs and yellow, it did not find my skin
but the silvered mouth of the Pepsi can. It crawled inside

and then another joined it there. I let those two
fill themselves while I finished my greasy knish and thought
how I would soon not be here and how painful

not wanting anyone. One wasp staggered out
and flew, and then the other, and in Manhattan
they were two cabs on their way in one direction. Inside,

what I had loved most: the folds of the woman's scarf
in Vermeer's portrait, their depth of shadow,
how the fabric came so close to itself without touching.

SOBRE OS PASSOS DO ENCONTRO

Quando a primeira vespa não parou de voar perto de mim, me sentei quieto
e deixei-a ficar. Apesar de todas as pernas finas e amarelas, não encontrou a minha pele,
porém, a boca prateada da Pepsi sim. E enfiou-se nela

e, logo, outra se juntou por lá. Eu deixo essas duas
se divertirem enquanto vou terminei meu salgado gorduroso e pensei
como cedo não estaria aqui e, com a dor,

não querendo ninguém. Uma vespa cambaleou
e voou, e depois a outra, e em Manhattan
Eles estavam em dois táxis a caminho em uma direção. Dentro,

o que mais amei: as dobras do lenço da mulher
no retrato de Vermeer, a profundidade de sua sombra,
como o tecido que chegou tão perto de si sem tocar.

E, de volta, Federico García Lorca


SIENTO                                                    

Federico García Lorca

Siento
que arde en mis venas
sangre,
llama roja que va cociendo
mis pasiones en mi corazón.

Mujeres, derrama agua,
por favor;
cuando todo se quema,
sólo las pavesas vuelan
al viento.

SINTO

Sinto
Que arde em minhas veias
sangue,
chama vermelha que vai cozendo
minhas paixões no meu coração.

Mulheres, derramai água,
por favor,
quando tudo se queima,
só as fagulhas voam
ao vento.


Ilustração: Simplesmente ao vento. 

Sunday, January 21, 2018

TOLICE GELADA



Nem sei mais o que fizestes, o que faz, o que fez.           

Sinto-me apenas triste. Sinto-me só, (sou) tolo.

E bebo. Bebo para te esquecer e o desconsolo,


Uma cerveja tão gelada como os lábios da ex! 

Outra poesia de John Matter

       
                                       
The Dream

John Matter

She has full, soft lips and is beautiful.
How he knows she is beautiful who can say?
She may be the image of the Malay bride on the travel-guide’s cover.
But she is faceless, not frightening,
and her bones curve with devotional time.
He is kissing her. They are naked. Then she is singing
in the only African language he can understand.
Her voice is a young woman desiring a child.
She is singing the lullaby or nursery-rhyme with an elusive melody
that he has heard before, years ago, in another dream.
The echoing of her song could undo him if allowed to,
but before he can summon a word they are inaudible again.
  
O  SONHO

Ela tem os lábios macios e carnudos e é linda.
Como ele sabe que ela é linda, quem pode dizer?
Ela pode ser a imagem de uma noiva malaia na capa do guia de viagem.
Mas, ela não tem rosto, não assusta,
e seus ossos se curvam com o tempo de devoção.
Ele está beijando-a. Eles estão nus. Então, ela está cantando
somente na língua africana que ele pode entender.
Sua voz é de uma jovem desejando uma criança.
Ela está cantando a canção de ninar ou uma rima infantil com uma melodia indescritível
que ele tinha ouvido antes, anos atrás, em outro sonho.
O eco de sua música poderia desfazê-lo, se permitisse,
Mas, antes que ele possa dizer uma palavra, são inaudíveis novamente.

Ilustração: ela-e-ele.com.