Wednesday, April 24, 2024

E, outra vez, Sara Búho

 


ESPINAS

Sara Búho 

El amor no es ciego.

El amor ve todo,

incluso lo que no existe.

ESPINHOS

O amor não é cego.

O amor vê tudo,

inclusive o que não existe.

Sem Vinho e Você

 


Em vinho a vida vive.

Em vinho a vida se esgota,

Mas, viver a vida sem vinho

É navegar sem ter rota.

É como o amor sem teus beijos,

Dias assim sem te ver.

Viver a vida sem vinho

É viver que nem se nota

É como dormir sozinho

Sem prazer nenhum ou sonho.

É como o tempo tristonho

Com saudades de você!

Ilustração: Bom Gourmet.


Uma poesia de Sara Búho

 


FUERTE, CRISTALINA

Sara Búho 

Puedo respirar

debajo del miedo,

ahora que el miedo

no ocupa todo.

Me veo, amor.

Fuerte, cristalina, capaz.

He dejado de existir

a través de mi sombra,

he dejado que la luz

me atraviese.

Cuento los logros,

me veo en ellos

y los acaricio como

símbolo de todo el amor

que me he negado.

No soy tristeza

aunque a

veces esté triste.

No soy soledad,

tenías razón,

no eras tú mi soledad.

FORTE, CRISTALINA

Posso respirar

debaixo do medo,

agora que o medo

não ocupa tudo.

Me vejo amor.

Forte, cristalina, capaz.

Deixei de existir

através da minha sombra,

deixei que a luz

me atravesse.

Conto as conquistas,

me vejo nelas

e as os acaricio como

símbolo de todo amor

que me foi negado.

Não sou tristeza

Ainda que,

às vezes, fique triste.

Não sou a solidão,

tinhas razão,

não eras tu minha solidão.

Ilustração: Jornal da USP.

Uma poesia de Cecilia Woloch

 


PRAYER FOR 2018

Cecilia Woloch

Surely there was a river, once, but there is no river here. Only a sound of drowning in the dark between the trees. The sound of wet, and only that. Surely there was a country that I called my country, once. Before the thief who would be king made other countries of us all. Before the bright screens everywhere in which another country lives. But what is it, anyway, to live-to breathe, to act, to love, to eat? Surely there was a real earth, wild and green, here, blossoming. Land of milk and honey, once. Land of wind-swept plains and blood, then of shackles and of iron. And then the black smoke of its cities and the laying down of laws. Under which some flourished-if you call that flourishing-and from which others would have fled had there been anywhere to flee. My country, which is cruel, and which is beautiful and lost. Surely, there were notes that made a song, a pledge of birds. And not a child in any cage, no man or woman in a ditch. Surely, what we meant was to anoint some other god. One made of wind and starlight, pulsing, heart that matched the human heart. Surely that god watches us, now, one eye in the river, one eye where the river was.

PRECE PARA 2018

Certamente havia um rio, uma vez, mas não há mais rio aqui. Somente um som de afogamento na escuridão entre as árvores. O som do molhado, e só isto. Certamente havia um país que eu chamei de meu país, uma vez. Antes que o ladrão que seria rei fizesse de todos nós outros países. Antes das telas brilhantes em todos os lugares onde vive outro país. Mas o que é, afinal, viver - respirar, agir, amar, comer? Certamente havia uma terra real, selvagem e verde, aqui, florescendo. Terra de leite e mel, onze. Terra de planícies varridas pelo vento e de sangue, depois de algemas e ferro. E depois a fumaça negra de suas cidades e o estabelecimento de leis. Sob o qual alguns floresceram- se é que podemos chamar isto de florescimento - e do qual outros teriam fugido se houvesse algum lugar para onde fugir. Meu país, que é cruel, lindo e perdido. Certamente, havia notas que fizeram uma canção, um sinal de pássaros. E nem uma criança numa jaula, nem um homem ou uma mulher numa vala. Certamente, o que queríamos fazer era ungir algum outro deus. Um coração feito de vento e luz das estrelas, pulsante, que combinava com o coração humano. Certamente que Deus nos observa, agora, um olho no rio, um olho onde estava o rio.

Ilustração: Blog do Pedlowsky.

Monday, April 22, 2024

Etílico Devaneio

 


Ainda que o calor seja enorme

O belo líquido que escorre, na taça,

Acorda o prazer que, em mim, dorme

E põe, no domingo, cor e graça.

Na mesa, o queijo de Canastra,

A carne, a água, o vinho, o pão,

Este mínimo de ração, que basta,

Para se ser feliz ouvindo uma canção.

A boa amizade, os gestos de carinho,

Combinam com o verde de La Mancha

Que até me sinto um Dom Quixotezinho

E ouso ver, no Lito, um Sancho Pança!

 

Uma poesia de Luis García Montero

 


HOMBRE DE LUNES CON SECRETO

Luis García Montero

ESTE lunes de abril templado y diligente,

muy de mañana, sin haber dormido.

Por la cafetería cruza el buitre

de los horarios laborales,

entre tazas, tostadas y periódicos

se discuten las últimas noticias,

y el hombre del secreto

se sumerge en el túnel de una nueva semana.

Deshoja el bienestar de su café,

sonríe a quien le mira, se consuela,

porque tiene un secreto.

Los cuerpos juveniles son presente,

pero nos llega impuesta del pasado

la inocencia arbitraria de sus conversaciones.

 

El hombre del secreto lo comprende

camino del trabajo,

cuando los estudiantes llenan el autobús

y un tumulto de cuerpos con la cara lavada

se apodera del lunes.

HOMEM DE SEGUNDA-FEIRA COM SEGREDO

NESTA temperada e diligente segunda-feira de abril,

muito de manhã, sem ter dormido.

Na cafeteria cruza o abutre

dos horários de trabalho,

entre xícaras, torradas e jornais

se discutem as últimas notícias,

e o homem do segredo

mergulha no túnel de uma nova semana.

Desfolha o bem-estar do seu café,

sorri para quem o olha, se consola,

porque tem um segredo.

Os corpos juvenis estão presentes,

porém nos vem imposto do passado

a inocência arbitrária de suas conversas.

O homem do segredo compreende

o caminho do trabalho,

quando os estudantes enchem o ônibus

e um tumulto de corpos com caras lavadas

assume segunda-feira.

Ilustração: Planalto Transportes.

SHOW DA REALIDADE



Não me preocupo com dinheiro

(como se preocupar com o que 

                                                  não se tem?).

Mas, graças a Deus, sou brasileiro,

uma raça estranha que se contenta

com o que prometem que vem. 

Sou otimista:

acredito no futuro

e, por tal razão, vivo a vida inteira

duro, 

cheio de fé, vendo futebol, sambando

e, queira, ou não, a vida vai passando,

e só ficando pior,

até que a morte

nos faça feliz eternamente

por não sofrer mais, 

diariamente. 

E esta é, no fim, 

a salvação possível 

diante de uma realidade terrível. 

 

Uma poesia de Sara Búho

 


ESPINAS

Sara Búho 

El amor no es ciego.

El amor ve todo,

incluso lo que no existe.

ESPINHOS

O amor não é cego.

O amor vê tudo,

inclusive o que não existe.

Monday, April 15, 2024

Gonzálo Millan, pois.

 


LATA

Gonzálo Millan

Ya no te bastan mis ojos

para corroborar tu belleza.

Buscas en las calles

ajenos espejos, otros ojos,

la cabeza de un clavo

es una luna diminuta.

Contemplas una lata

de sardinas con agua de lluvia.

LATA

Já não te bastam meus olhos

para corroborar tua beleza.

Buscas nas ruas

espelhos alheios, outros olhos,

a cabeça de um prego

é uma lua diminuta.

Contemplas uma lata

de sardinha com água de chuva.

Ilustração: iStock.

 

Monday, April 08, 2024

Sem Perdões

Eu não te perdoo                                 

Por me amares mais

Do que te posso amar

Nem me pedires mais

Do que eu posso dar.

Nem por meus silêncios

Ou falta de desculpas

Não posso me perdoar

Por minhas culpas

Nem por ser assim

Tão múltiplo e incoerente

Que sigo em frente

Sem nenhuma ilusão

Que não a deste amor

Que não perdoa

Nem quer perdoar

E que contra toda a razão

Continua a amar

Quando nem amar consegue

E deixa tudo no ar...

Enquanto a vida segue

Como um mero exercício de respirar!

Ilustração: iStock. 

Sunday, April 07, 2024

Sem Palavras

 


Eu queria te dizer

tantas coisas lindas.

Ser mais poeta 

que os maiores poetas

para dizer que ninguém, 

além de mim, 

há de te amar tanto assim.

Quando olhei, porém, 

nos teus belos olhos

fiquei sem palavras 

e só consegui chorar 

o tanto que te amava.

Ilustração: Stockphoto. 

Wednesday, April 03, 2024

Um poema de Henrietta Cordelia Ray

 


MY EASTER DOVE

Henrietta Cordelia Ray

There came a dove, an Easter dove,

       When morning stars grew dim;

It fluttered round my lattice bars,

       To chant a matin hymn.

 

It brought a lily in its beak,

       Aglow with dewy sheen;

I caught the strain, the incense breathed,

       And uttered praise between.

 

It brought a shrine of holy thoughts

       To calm my soul that day;

I caught the meaning of the note,

       Why did it fly away?

 

Come peaceful dove, sweet Easter dove!

       Above earth’s storm and strife,

Sing of the joy of Easter-tide,

       Of light and hope and life.

MINHA POMBA DA PÁSCOA

Lá veio uma pomba, uma pomba da Páscoa,

        Quando as estrelas da manhã escureceram;

flutuando em volta das minhas barras de treliça,

        Para cantar um hino matinal.

 

Trouxe um lírio no bico,

        Brilhante com um orvalhado brilho;

Eu peguei a tensão, o incenso respirou,

        E pronunciou elogios entre eles.

 

Trouxe um santuário de pensamentos sagrados

        Para acalmar minha alma naquele dia;

Eu entendi o significado da nota,

        Por que ele voou para longe?

 

Venha pacífica pomba, doce pomba da Páscoa!

        Acima da tempestade e do conflito da terra,

Cante a alegria da maré pascal,

        De luz, esperança e vida.

Ilustração: Tia Paula.

Tuesday, April 02, 2024

E, mais uma vez, Antonio Carvajal

[«No mires hacia atrás: ya nada queda…»]

Antonio Carvajal

No mires hacia atrás: ya nada queda:
la casa, el sitio, la ciudad, el soto,
escombro, hueco, ripio, humo remoto
o acaso turbia y leve polvareda.

Mira adelante, aunque te retroceda
el ánimo: el futuro no está roto:
si oscuro, intacto; fértil, porque ignoto.
Quiera tu voluntad, tu ánimo pueda.

Pero si te has vendido a las pasadas
sombras; si esclavitud tasó tu precio
en dos o tres monedas sin sonido,

teme a la libertad, pues no eres recio;
teme a tus fuerzas, pues están gastadas;
teme al futuro, pues será tu olvido.

["Não olhe para trás: já nada resta..."]

Não olhe para trás: já nada resta:

a casa, o lugar, a cidade, o mato,

escombros, buraco, ripa, fumaça remota

ou talvez nublado e com poeira leve.

 

Olha em frente, ainda que retroceda

o ânimo: o futuro não está perdido:

se escuro, intacto; fértil, porque ignorado.

Que sua vontade, seu espírito possa.

 

Porém se te hás vendido aos passados

tons; se a escravidão taxou teu preço

sem som, em duas ou três moedas,

 

teme a liberdade, pois não és forte;

teme as tsua forças, pois estão gastas;

teme o futuro que será teu esquecimento.

Ilustração: Wallpapers Cristãos.